Acredita-se que, por alguma razão misteriosa, esse povo começou a migrar do centro da Índia para o noroeste, no séc. I a.C. Muitos séculos se passaram até que eles empreendessem nova migração para novamente, dessa vez para o oeste em direção a Pérsia. Lá permaneceu até a invasão mongol, verificada no século XIII. Então, dividiu-se em dois grupos, dos quais um rumou para a Grécia, através da Armênia, e o outro para a Síria, a Palestina e o Egito. Os primeiros acabaram por atravessar o Danúbio, quando os turcos invadiram a Europa Oriental (século XIV). A partir de então, até por volta de 1460, difundiram-se pela Hungria, Áustria, Boêmia (parte da atual Checoslováquia), Hamburgo (atual Alemanha), França e Suíça. Apesar de se declararem nobres, eram escravizados logo que chegavam a esses países. Só a partir de 1496 puderam usufruir de alguma liberdade. O primeiro a favorecê-los foi Vladislau II, rei da Hungria, que lhes concedeu livre trânsito em território húngaro.
Segundo lendas contadas e difundidas entre eles, acreditam que são descendentes de nobres sacerdotes que caíram em desgraça por terem usado mal seus poderes. Há uma frase que traduz essa tradição: Kama-Mara Gigo Asgardi, que significa literalmente “O Povo eleito da Terra Sagrada”. Asgardi era o nome dessa Terra Sagrada, e desde então caminham em penitência esperando a hora de voltar para lá. Foi nessa Terra Sagrada de Asgardi, que não é desse mundo, que eles aprenderam os mistérios da natureza e da alma dos seres, o conhecimento das artes ocultas e da premonição. Mas esses conhecimentos começaram a serem usados para usufruir ganhos e interesses pessoais, e desta forma eles violaram as Leis e os Preceitos Divinos, sendo condenados a errar por sete anos (um ciclo cármico de regeneração) pelo mundo.
Esse destino, embora sem uma escrita oficial que o confirme, é documentado no Tarot esotérico dos ciganos. Não são as cartas do baralho que conhecemos nem o tarot exotérico que circula livremente, mas sim, um verdadeiro livro críptico, oculto, composto por 22 figuras que representam os arquétipos de uma história somente conhecida por alguns membros iniciados que se chamam de “irmãos de Rom”, espécie de casta sacerdotal, também chamados de ‘romani’, ou povo de Rom .
Uma das cartas desse Tarot esotérico representa a Deusa Negra Phuru Daí, que simboliza a Grande Mãe e é venerada pelos ciganos como A Sacerdotisa. Em todas as tribos sempre existe a anciã, a mulher mais velha do grupo, que orienta as decisões de todos. Ela é associada a Sara e costumam entoar essa canção para ela:
“Teu ventre não está frio, Sara
Dele saíram pequenos sois,
Tua vida decorre no calor dos sóis
Que teu ventre colocou na Terra.
A Terra abre seu ventre para nos receber
Todos devem se voltar para seu ventre, Sara”.
Sara é a personificação da Virgem Negra, entre os ciganos. As deusas negras representam o aspecto lunar, o interior das coisas. O negro é a cor da grande obscuridade matricial, uterina, gestadora, onde se processa toda criação e regeneração.
Desde o século XV circula, no sul da França, a história da chegada das três Marias, Madalena, Jacobi e Salomé, num pequenino barco sem velas nem remos, numa praia próxima à foz do rio Ródano. Sara, que dirigia a tribo dos Rom, na Provença, ouviu uma voz que anunciou a chegada das Marias santas, expulsas da Palestina, e impelida por uma força misteriosa, reuniu sua tribo dos Rom e foi ao seu encontro. Lá chegando, e vendo a embarcação ainda no mar, estendeu um manto sobre as águas e assim reuniu-se às Marias, que a batizaram. A partir daí tornou-se serva das Marias, acompanhando-as e servindo-as em seus cultos.
Até hoje, em Camargue, a região do Languedoc tornou-se o ponto de convergência dos ciganos da etnia Rom de todo o mundo, verdadeira meta da peregrinação cigana, porque é ali que se encontra Sara, a sua Virgem Negra, assim como também em Chartres ou em Santiago de Compostela.
A grande capacidade de adaptação climática desse povo, sua vitalidade e força para sobreviver, apesar da pobreza e das condições precárias de vida, sobretudo para as crianças, das perseguições e do extermínio massivo que sofreram através dos séculos, tem conseguido manter seus costumes, seu folclore, suas músicas e danças típicas, bem como suas tradições secretas.
Acreditam que o maior perigo que atualmente ronda seu povo é a miscigenação, sobretudo entre os jovens, que sofrem a influência sedutora das sociedades consumistas e materialistas ocidentais, e já substituem as suas carroças por carros motorizados, seus caldeirões ancestrais pelo fogão a gás, a caravana móvel pelo apartamento. Cigano dos Estados Unidos não viaja mais de carroça: usa trailer motorizado; nem prepara mais sua refeição: come enlatados.
Essa mudança, que a ONU incentiva como uma forma de melhorar as condições de vida desse povo pode representar, na verdade, um etnocídio, sua morte cultural, o desaparecimento de sua raça. E como disse um patriarca cigano, por mais que seu povo seja assimilado, por mais que lhe sejam dadas condições melhores de vida, ele jamais será um ‘gadjo’, e não passaria nunca de um “branco de segunda”.