De onde eles vêm? Para onde vão? Um povo que parece encarnar a pergunta mais crucial dos seres humanos,
aquela que, apesar de todo o desenvolvimento do século XXI, permanece uma incógnita. A diferença é que nós fingimos que sabemos e inventamos respostas, crenças, teorias, teologias, filosofias… os ciganos não. Eles encarnaram esse não-saber originário em suas vidas sem rumo.
Para nós, eles são estranhos, para eles, somos nós os estranhos (gadjos). São discriminados, perseguidos e vistos como desonestos. “Cigano” quer dizer “intocável”. Vem do grego athinganoi, palavra que sofreu mudanças e se transformou em atsigan e tsigane. Existem atualmente cerca de quatro milhões de ciganos em todo o mundo, exceção feita ao Japão. E apesar de parecerem todos iguais, possuem uma etnia, dependendo do lugar onde vivem. Por exemplo, os ciganos que viajam pela região da Moldávia, Romênia e Hungria são chamados de Kalderach, desenvolveram a arte de trabalhar com o fogo e forjam seus famosos caldeirões. Os Manush circulam por algumas regiões da Itália, França, Alemanha, Alsácia e Prussia. Os Gitanos vieram do Egito, e viajam por toda a Península Ibérica, sul da França e norte da África. Tornaram-se mais conhecidos por causa de sua dança parecida com o flamenco, e sua música dolorida, ao violino. Os chamados Yenish não tem um lugar definido, são os da última geração e são considerados híbridos, sem tradição.
Muitos nomes receberam ao longo dos séculos: Gitanos, Zíngaros, Boêmios, Rom-Kali, Gipsy. Definir sua origem, contudo, é uma tarefa quase impossível, porque eles não criaram uma escrita, sua tradição é oral e sua história vai se fazendo em suas andanças pelo mundo. Sua língua guarda semelhanças com o sânscrito, o que levou muitos estudiosos a afirmarem que eles vieram da India. O sânscrito era o idioma sagrado dos iniciados (proveniente do Senzar e do Vattan, a língua primordial). O costume das danças e do canto, a estatura média, a cor morena, os cabelos e olhos negros são comuns aos dois povos.
A maioria dos ciganos, até poucas décadas atrás, ainda formavam caravanas puxadas por cavalos; abrigavam-se em tendas, pedreiras e minas. Em fogueira, ao ar livre, cozinhavam seus frangos, ovos e vegetais. Seus alimentos, afirmam os comentaristas mais críticos, eram „quase sempre roubados, já que eles não plantam, nem criam animais para o abate“. „Sua profissão é a mentira“, diz preconceituosamente Cervantes. „Mas há uma lei cigana que proíbe roubar… alguém mais pobre.“ Viviam principalmente da criação e comércio de cavalos, do artesanato em metal, vime e madeira, e das artes divinatórias, como cartomancia e quiromancia. A música dos ciganos, executada em público apenas pelos homens, permanece muito popular e é uma atividade rendosa na Europa Central. Não abandonam a quiromancia, embora professem a religião dominante no país em que se instalam.
Através dos ciganos, o baralho (tarot) foi difundido pela Europa. Assimilam facilmente as artes do lugar onde habitam, em especial a música e as danças folclóricas. Interpretam-nas com um estilo próprio, que inclui o uso do violino, seu instrumento por excelência. Cada grupo tem um chefe natural, escolhido, não hereditário. Na família, o membro central é a mãe, que exerce autoridade sobre os filhos e é dona do patrimônio. O mesmo sistema se aplica à tribo, que tem uma mãe tribal, a Phuri Dai, guardiã do código moral. Os infratores são julgados por um júri de „condes“, e nos casos mais graves, a pena é o banimento da tribo. Quanto à posição das mulheres mais jovens, dizem que „segundo os costumes ciganos, elas devem obedecer aos homens, e as mulheres casadas devem usar um lenço para cobrir a cabeça.
Várias foram as tentativas de agrupar os ciganos sob o poder de um só governante. Uma delas foi o aparecimento da dinastia Kwick, inaugurada por Gregory Kwick, cigano polonês que, por volta de 1883, se declarou „rei dos ciganos“. Durante seu reinado, realizou-se, em 1909, o único recenseamento cigano de que se tem notícia; o censo informou que havia então na Europa 600 mil ciganos. Gregory abdicou em 1930 em favor de seu filho Michael II, que, após sete anos de governo, foi sucedido por Janusz I. Este proclamou-se administrador dos ciganos da Hungria, Espanha, Alemanha, Bulgária, Iugoslávia e Polônia. Planejou ir a Genebra reivindicar um país para seu povo, mas o projeto foi vetado por uma assembléia cigana. Seu „reinado“ durou apenas um ano.
Em 1933, foi cogitada, sem êxito, a possibilidade de agrupar todos os ciganos do mundo nas ilhas da Polinésia, com subvenção da Liga das Nações. A idéia não se concretizou. Pouco depois, eclodiu a II Guerra Mundial (1939) e cerca de 20 mil ciganos foram exterminados nos campos de concentração nazista.